Ah! Lembrou-se agora, que sim, naquele dia tão distante, quando lhe vieram dizer que o pai tinha morrido! Correu para trás da casa, e aí sim, aí chorou.
Limpou apressadamente os olhos aos punhos da camisa e apresentou-se perante a mãe.
Filho, diz ela, ainda és novo para trabalhar, mas terás de compreender a partida do teu pai. Tens que sair da escola, vais trabalhar, porque iremos ter falta de dinheiro.
E foi assim que José, garoto, começou a guardar as ovelhas, na herdade do senhor Jaime da farmácia.
Levantava-se antes do nascer do sol, comia umas sopas de leite, a patroa punha-lhe dentro do alforge um naco de pão, cozido havia mais que oito dias! Juntava-lhe um pedaço de toucinho salgado e só regressava com o pôr do sol.
Levou anos a fazer a mesma coisa, aí uns sessenta, talvez! Sabia de cor os nomes das ovelhas, pois fora ele quem lhes dera os nomes. Até sabia os dias exatos dos seus nascimentos.
Também tinha o Fiel, o seu velho cão, que conhecia o rebanho tão bem como ele.
Ti José ergueu a cabeça e despertou com o barulho que a charanga fazia ouvir.
O sol brilha. Os campos estão cheios de trigo e de papoilas! Ora, os seus olhos já viram tantas searas e tantas papoilas! Agora não podem muito, estão cansados, já veem muito pouco! Precisava de uns óculos, mas como? A reforma que recebe, nem para o tabaco chega, mas também há muito tempo que não fuma! O dinheiro não chega para vícios, diz ele algumas vezes, com um pouco de escárnio. Uns copitos ainda lá vão de volta e meia, mas caramba, um homem às vezes não resiste.
A charanga chegou ao adro da igreja. O barulho aumentou. Ti José, olhe que hoje é o primeiro dia de Maio, dia do trabalhador, venha!
Os meus dias de trabalho já lá vão, hoje é o meu dia de descanso, respondeu com um sorriso amarelo."
Obrigada por esta partilha professora. Uma história tão forte, como tantas que o nosso país tem guardadas e ainda vivas, e espero que fiquem vivas para sempre. <3
ResponderEliminarAdorei ler o conto, com pormenores muito ricos e vívidos, e saber mais sobre a história de família. 😍💓
ResponderEliminarQue bela partilha, obrigada!
É triste que se tenha ignorado até agora esta condição dos migrantes. Espero que agora que todos têm os olhos ali postos (antes decidiam olhar para outro lado) que lhes proporcionem as condições de vida e trabalho merecidas.
Boa semana!
Beijinho grande
Pois é Carlota. E não são só estes. :( A agricultura intensiva, infelizmente, é feita de pessoas na beira da escravatura (quando não em plena escravatura). Vivi no Alentejo alguns anos e cheguei a denunciar situações de ilegalidade e nunca as autoridades fizeram coisa alguma. A apanha da azeitona, particularmente, está repleta de ilegalidades (humanas e ambientais) e péssimas condições para os trabalhadores. Enfim... é muito triste.
EliminarBeijinhos Carlota! Desculpa o desabafo, é um assunto que me incomoda bastante. :)
Sabemos que nada irá mudar, porque há demasiados interesses em jogo, menos os dos trabalhadore.
ResponderEliminarNo entanto, aqui fica a chamada de atenção.
Obrigada pelos comentários, não esquecer que infelizmente há muita gentinha que está espreitando para que o tempo volte para trás, atenção muita atenção, bjs para todas.
ResponderEliminarQue lindo conto sobre o Alentejo. Faz-me lembrar os que a minha avó me conta há anos, e os poemas que também escreve. É incrível o que estas pessoas maravilhosas têm oara nos contar ❤ Obrigada Professora, pela partilha. E obrigada D. Maria ❤
ResponderEliminarParabéns querida Maria. Um conto muito bonito que reflete bem como a vida para muitos é dura! Um grande beijinho :)
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